sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A falha dos gentlemen (revista VIP/março 2010)

Calma, não vou falar sobre o velho drama da tampa da privada. Na verdade, nem me importo se ela está abaixada ou levantada, sinceramente – se vocês têm que se dar ao trabalho de levantá-la quando usam o banheiro, entendo que eu fique com a parte de abaixá-la quando chega a minha vez. Vamos direto ao ponto: uma das coisas que mais me incomodam num homem é quando ele quer bancar o conquistador. O. Tempo. Todo.
Aconteceu duas vezes. A segunda, mais marcante, foi o suficiente para que eu começasse minha fuga desse tipo de cara.
Na primeira vez em que acordei na casa dele, abri a geladeira e vi que ela estava cheia de Activia de ameixa. Ele não gostava de Activia de ameixa. Eu, sim. Achei muito fofo.
Na segunda vez, fiquei surpresa com a mudança que a mesa da sala tinha sofrido de madrugada. Alguém tinha acordado e colocado um monte de chocolate em cima dela. Ele nem gostava muito de chocolate. Eu, sim. Achei fofo.
Daí, para encurtar a história, veio uma avalanche de flores, presentes, mais chocolates, mais Activias, mais flores e mais presentes.
Você vai dizer: claro, esse cara exagerava, logo você iria se cansar. Mas não é bem isso. Eu realmente acho que poderia passar todos os dias da minha vida recebendo flores, chocolates e essas coisas todas. É óbvio que eu iria parar de dar valor a tanta gentileza um dia, mas esse comportamento não ia me irritar. O que me irritava, isso sim, era aquela falta de espontaneidade.
Porque era tudo programado. Ele planejava assistir à minha cara de surpresa ao acordar e ver os chocolates. Ele amava me assustar com um buquê. Ele simplesmente ia às nuvens quando me pegava no trabalho de surpresa (“E agora, o que eu faço com meu carro?”, eu sempre pensava). O importante não era o que ele sentia, mas a sensação que ele causava, e isso me dava nos nervos.
O ápice foi quando ele disse que tinha que me falar alguma coisa, mas estava esperando um momento especial. Na hora, me toquei de que ele ia falar “eu te amo”. Afinal, ele não ia contar que estava grávido! Mas os dias foram se passando e nada de ele dizer. Finalmente, semanas depois, na praia, quando fogos (juro, fogos) explodiram no céu, aí sim ele me puxou pela mão e disse: eu te amo.
Achei patético. Por que ele não disse assim que sentiu, nem que estivéssemos jogados no sofá, no intervalo de um filme qualquer? Eu podia até estar gripada nesse dia, com o nariz escorrendo e tudo mais. Ia ser legal mesmo assim.
Fiquei pensando: prefiro alguém espontâneo ao meu lado a uma sucessão de surpresas e cenas de cinema. É bom ter um namorado que se preocupe em organizar uns momentos especiais. Flores, jantares, quem não gosta disso? Mas, quando a produção do espetáculo é mais importante do que o enredo em si, é frustrante. Era como se o que ele sentia por mim fosse engessado pela necessidade de tornar cada momento especial. Como se não bastasse estar comigo para ser especial, entende? Era como se tivesse tanta casca por cima dele, que eu não conseguia enxergar o que ele tinha dentro. Era artificial.
Quando percebi que era isso que eu achava, tentei conversar com ele, que não entendeu nada. Tudo bem. Ele não tinha muita capacidade de abstração. Uma amiga minha me disse, na época, que eu não podia esperar muita capacidade de abstração dos homens em geral, mas discordo. Ou não existem bons matemáticos do sexo masculino?
De qualquer modo, aposto que existem mais matemáticos homens do que homens que sabem conciliar gentileza com naturalidade. Se você não sabe, fique com a naturalidade, por favor.
A não ser que natural, para você, seja molhar de xixi a tampa da privada. Esse, sim, um erro execrável.

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